A gravidez representa, na vida da mulher, um período de intensas transformações físicas e psicológicas, que exigem uma grande capacidade de adaptação da sua parte. Tais transformações podem condicionar níveis de perturbação psicológica o que por sua vez, aliado a outros factores adversos, de natureza biológica ou psicossocial, acarreta um risco acrescido de desenvolvimento de doença psiquiátrica.
Do ponto de vista psiquiátrico a doença mental mais comum na mulher grávida é a depressão, associada – com maior ou menor expressão − às manifestações de ansiedade. Todavia, a depressão na gravidez é um problema sub-diagnosticado e sub-tratado.
Convém referir que a depressão é a doença psiquiátrica mais comum. E também que é cerca de duas vezes mais frequente no sexo feminino que no masculino. Aliás, no sexo feminino as perturbações do humor têm início, numa proporção significativa de casos, na terceira e quarta décadas de vida, isto é, durante o período reprodutivo da mulher. Por estas razões a depressão é, muitas vezes, uma condição pré-existente à gravidez.
Assume-se frequentemente que a gravidez é protectora relativamente à depressão mas essa ideia já foi refutada. Calcula-se que a sua prevalência se situe, genericamente entre os 10 e os 20%. Aliás, numa revisão da prevalência da doença ao longo da gravidez foram encontrados valores idênticos aos da população feminina em geral durante o primeiro trimestre e valores superiores (respectivamente 12,8% e 12,0%) nos dois últimos.
A depressão na gravidez parece constituir um factor de risco para o desenvolvimento da depressão pós-parto (DPP). Tem sido proposto que esta designação seja substituída pela de depressão peri-natal, termo que acentua o continuum das perturbações do humor nesta etapa do ciclo de vida da mulher, bem como a importância do reconhecimento e diagnóstico da depressão na gravidez enquanto estratégia de prevenção secundária das perturbações do humor no sexo feminino.
A depressão na gravidez deverá, pois, ser encarada como um preditor da DPP. Associa-se a situação de desvantagem social, a dificuldades de ajustamento conjugal ou de relacionamento familiar e a doença psiquiátrica prévia, nomeadamente depressão e pode ter efeitos deletérios sobre o feto.
No que respeita ao tratamento, convém destacar as intervenções psicológicas (ou psicossociais) na abordagem das perturbações depressivas durante a gravidez e puerpério. Estas poderão ser suficientes no tratamento dos episódios depressivos ligeiros a moderados, reservando-se as abordagens farmacológicas (ou outras) para as situações mais severas, em que as consequências, para o bem-estar da mãe e/ou do feto/criança, resultantes dos sintomas não tratados, suplantam os riscos da terapêutica e exigem uma atitude mais consertada dos médicos que assistem a díade mãe-criança, isto é de obstetras, pediatras e psiquiatras.1
1. Adaptação do artigo com o mesmo nome, publicado no Jornal do Centro, do Centro Hospitalar de Lisboa Ocidental, em Setembro de 2006.