Angst revisited

fev-2021

Quando tomei consciência pela primeira vez de ter sido atingido pela doença, senti, entre outras coisas, a necessidade de exprimir um veemente protesto contra a palavra “depressão.”

Como muitos sabem, costumava-se dar à depressão o nome de “melancolia” (...). Parece-me que “melancolia” deveria ser um termo bem mais apto e evocativo para as formas mais sombrias da doença, mas foi usurpado por um nome com uma tonalidade mole e sem qualquer espécie de imponência, indiferentemente usado para descrever um declínio económico ou um buraco no solo, verdadeira palavra mole para um mal de tal grandeza.

A depressão que me tragou não era do tipo maníaco – a que surge acompanhada por surtos de euforia – que muito provavelmente me teria aparecido mais cedo. Tinha sessenta anos quando a doença me atingiu pela primeira vez, sob a forma “unipolar” que leva directamente ao fundo.

O hospital foi um apeadeiro, um purgatório. Quando lá entrei a minha depressão parecia tão profunda, que na opinião de alguns membros do pessoal era candidato à TEC – terapia electroconvulsiva, mais conhecida por electrochoques.1

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Hoje em dia, em pleno século XXI, os relatos de experiências individuais excepcionais (ou pouco comuns) são abundantes, todavia nem sempre foi assim, especialmente quando se pensa nos testemunhos de pessoas afligidas por doenças mentais severas. Antes da existência dos psicofármacos, que se desenvolveram a partir dos anos 1950, a doença mental grave constituía quase sempre uma condenação a uma vida de miséria e era uma fonte de vergonha para as famílias dos doentes, o que comprometia seriamente a divulgação da experiência individual da loucura. A abordagem compreensiva das manifestações da doença mental, possibilitada pelo desenvolvimento das teorias psicanalíticas, ajudou igualmente a extrair o doloroso espinho da insanidade aos doentes mentais graves e, mais tarde, na segunda metade do século XX, a mobilização da própria sociedade civil, chamando a atenção para o impacto dos factores de natureza social, no aparecimento e manutenção da doença mental, deram um significativo impulso ao desenvolvimento de uma perspectiva menos estigmatizante da doença mental, que é a que vigora actualmente.

Apresento então aqui mais um livro, do final do século XX, escrito na primeira pessoa, desta vez sobre a experiência de estar gravemente deprimido.

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Do ponto de vista compreensivo, não há depressão sem perda, sendo que habitualmente a perda antecipada é vivida com ansiedade e a perda real experimentada de forma depressiva. Várias circunstâncias de vida se enquadram naquilo que pode ser concebido como perda: a morte de um familiar, a perda do emprego, o fim de um casamento ou uma desilusão afectiva, são alguns de muitos exemplos possíveis.

Quando se fala de depressão, não nos referimos a uma única doença, mas sim a um conjunto heterogéneo de perturbações que engloba, desde as formas mais ligeiras da doença, até aquelas em que a pessoa descuida a sua higiene e alimentação e fica verdadeiramente incapacitada, quer do ponto de vista laboral quer familiar e social, podendo chegar a ter pensamentos recorrentes de morte, a planear pôr fim à sua vida ou mesmo a encetar formas de o concretizar.

As formas mais ligeiras de depressão podem ser tratadas sem recurso a medicamentos.

As formas moderadas e, sobretudo as mais graves (as depressões melancólicas), devem levar à procura de um médico, uma vez que os fármacos antidepressivos (e outros tratamentos biológicos) são muito eficazes no tratamento dos sintomas graves da doença. Se é o seu caso, ou conhece alguém que está profundamente deprimido, procure ou recomende a ajuda de um psiquiatra.

1. William Styron (1991). Visível Escuridão. Memórias da Loucura. Venda Nova: Bertrand Editora.