A possibilidade de contagio internacionaliza-se, passando a estar presente nas várias regiões do globo.
Cada pessoa, individualmente, está em risco de se tornar um doente e, num mundo como o que actualmente conhecemos, onde a informação corre célere, quase todos sabem que podem vir a ser o próximo. Dito por outras palavras, o medo generaliza-se.
Alguns entram em pânico e começam a monitorizar-se permanentemente, a si próprios, mas também àqueles com quem se relacionam. Outros convivem melhor com a ideia de partilhar o planeta com mais um microrganismo, podem encará-lo com respeito ou menosprezá-lo.
Vamos aos que têm medo. Primeiro aos que têm medo do contágio. Podem desenvolver comportamentos ditos ritualizados, de verificação e limpeza. Isso significa que estão sistematicamente a verificar o que ainda não foi limpo e a desinfectar os locais onde o agente da doença pode repousar, invisível. Ou podem isolar-se em casa, para evitar o contágio com os seus semelhantes. Provavelmente, estas pessoas já teriam algumas destas características, mas elas intensificaram-se ultimamente. Algumas ficaram com tendinites de esforço. Outras ficaram confinadas em casa, mesmo quando receberam autorização de deixar as suas residências. Estas, quando forçadas a deixar o seu reduto de segurança, resistem e insurgem-se com a mudança. Isso pode manifestar-se conscientemente ou pode assumir a forma de variados sintomas físicos.
Vamos agora àqueles que têm outro tipo de medo. O medo de perderem o controlo. Nestes, o maior receio é o de que a ordem a que se acostumaram, deixe de existir. Ordem nas suas vidas, no seu quotidiano, na sociedade em que se movem e onde eventualmente adquiriram estatuto e poder. Tinham cargos. Tinham dinheiro. Tinham uma pequena parcela de poder, económico ou político, e a pandemia trocou-lhes as voltas ou ameaça trocá-las.
Há depois aqueles que ficaram abatidos e letárgicos, privados dos estímulos que os faziam sentir-se vivos. Ou os que viram com tristeza o investimento de meses ou anos cair por terra e desfazer-se em pó.
Os que começaram a sentir-se no centro de uma conspiração e os que ficaram ainda mais alienados; mais isolados e sós.
Há quem diga que o essencial é sobreviver. É verdade, mas é só parte da verdade. As características que cada civilização assumiu, ao longo dos séculos, foram fruto da forma como, em cada época, os seus membros enfrentaram o medo da morte.
Medo da nossa finitude. Do esquecimento a que a morte nos vota.
Por isso a forma como, de agora em diante, vamos viver, para além de sobreviver, é importante. Essa forma vai adquirir múltiplas apresentações - políticas, económicas, sociais e culturais, nas diferentes regiões e, mais especificamente, nos diferentes países do globo – , que dependerão em parte da reserva pré-existente em cada um deles e que ditarão, como sempre, o destino das nossas vidas individuais.
O acesso aos cuidados de saúde mental, bem como os esforços que forem feitos no sentido de aliviar as manifestações de cada reacção particular à epidemia, vão igualmente originar, ou aprofundar, desigualdades entre os cidadãos do planeta.